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terça-feira, 12 de março de 2013

Do amor do menino II

Sete de Março de Dois Mil e Treze.
Eu entrei no facebook e ele também ficou online e eu, não sei se por impulso, por vontade ou por pressão da Ana Clara, puxei assunto com ele. E a conversa rolou solta, com planos brincalhões e que de minha parte eu faria sem problema algum. Saindo da brincadeira, eu o chamei pra ir no show da Tulipa Ruiz no sábado, dia nove, no sesc e de graça. Ele aceitou, eu fiquei feliz e ele disse que me importunaria no dia seguinte.
Oito de Março.
Fui pra São José dos Campos e descobri que a minha mãe queria muito que eu fosse pra igreja com ela no sábado a noite e tive que desmarcar o show. Ele compreendeu a situação e ainda disse que essa minha atitude de desmarcar pra poder ficar com a minha família mostrava que eu sou íntegra e virtuosa.
Nove de Março.
Eu acordei com uma música infantil na cabeça e com o pensamento que eu perdi a única oportunidade em meses de vê-lo.
Fiquei o dia todo pensando o quanto eu queria ver esse garoto e percebi que eu estava com saudade   dele. Cheguei a ouvir músicas que me faziam lembrar dele e que fez eu me achar maluca.
Quis esquecer essa tristeza toda e comecei a assistir Once Upon a Time, que sempre me anima por suas histórias confusas e misturadas. Não haviam passado nem vinte minutos de episódio quando o meu pai me chamou dizendo que tinha um amigo meu lá embaixo.
Desci as escadas com o coração aos pulos, tentando controlar minhas expectativas. Mas era ele, todo encolhido no sofá, escondendo o rosto com as mãos e me olhando por entre os dedos. Quando olhou diretamente pra mim, eu ri e ele me acompanhou no riso.
Como meu pai estava assistindo televisão na altura astronômica de sempre, eu o puxei pro meu quarto onde a gente poderia conversar.
Assim que a gente entrou no meu quarto e eu me acomodei sentada na minha cama, ele retirou não sei de onde uma sacolinha de plástico e dela um pacotinho quadrado e prateado, dizendo que no dia das mulheres (que foi no dia anterior) é costume presentear as mulheres com uma flor e que ali estava a flor que ele tinha comprado pra mim. Eu olhei bem pra ele, peguei o pacote e comecei a dizer que não é pra gastar dinheiro comigo e ele refutou dizendo que ele nunca gasta dinheiro e que aquele foi muito bem gasto. Quando eu finalmente consegui abrir o presente (porque minhas mãos estavam tremendo), puxei o que tinha dentro do pacote e não acreditei no que eu vi: um CD da Tulipa Ruiz, a mesma cantora que a gente iria ver se eu não tivesse dado pra trás.
Eu sorri, olhei pra ele, disse milhares de "obrigada": obrigada pelo CD, obrigada, obrigada, muito obrigada mesmo, nossa, obrigada, por tudo, na verdade, pelo CD, por ser meu amigo, por vir me ver, por gostar tanto de mim. Eu não disse esse último, faltou coragem. E porque eu parei pra pensar nisso depois que eu tinha agradecido por todo o resto. E por esse pensamento eu olhei pra ele, sorri de novo (na verdade eu ainda não tinha parado de sorrir) e comecei a dizer "ai, meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus", olhando pra ele e pro CD, e pensando que ele estava lá e tinha levado um CD pra mim. Eu estava tentando absorver aquele momento, tentando acreditar que era verdade, que eu não tinha inventado e ao mesmo tempo eu pensava que estava muito melhor que qualquer coisa que eu poderia inventar na minha cabeça.
Eu estava quase a ponto de enlouquecer de alegria, aquela alegria gostosa e demente, quando ele disse: Natália, guarda o CD, senão você vai ficar falando isso até o pôr-do-sol.
Eu guardei, voltei pra minha cama e ele disse que enquanto estava indo pra minha casa ele pensou numa musiquinha e começou a cantar a música infantil que eu tinha acordado na cabeça, mas "customizada" com os nossos nomes. Disse que a surpresa não tinha acabado por aí e pediu pra eu passar o violão pra ele, eu passei e ele começou a tocar Across the Universe e contou as partes da música que ele gosta e a que ele não gosta. E justamente a parte que ele não gosta é a minha favorita e eu expliquei o porquê.
Logo depois tocou Take on Me e eu radiei de alegria, por ele ter tocado uma música que poucas pessoas sabem que eu gosto. Tocou Só sei Dançar com Você e eu fiquei pensando o que aquilo significava e mais uma vez duvidei que aquilo fosse verdade.
Depois tocou Black Bird e eu disse que sempre ficava pensando quais são minhas asas quebradas e ele que nunca tinha pensado nisso, largou o violão e ficou me ouvindo falar e quando eu esquecia as palavras, ele completava com a palavra que eu queria, numa sincronicidade e timing perfeitos.
Num certo momento, eu levantei, não me lembro porque, e quando eu voltei e olhei pra ele de novo, ele disse que eu sou muito magra, que não tenho carne e que ele gosta disso, que me acha perfeita. E eu, no meio de toda a vergonha que eu senti, comecei a falar sem parar e quando o fôlego me faltou, avisei que quando eu começar a tagarelar daquele jeito é pra ele me interromper e recebi como resposta um "gosto de ver você tagarelar".
Lembro de um momento que eu não sei porque, ele pediu pra eu colocar as mãos no rosto dele, logo abaixo da mandíbula e eu fui, toda nervosa tocar nele, coisa que eu tava louca pra fazer e senti a barba macia e em troca recebi um: você está fresquinha, não devia ter me abraçado.
E a minha mente apaga aqui. Não lembro de como eu me livrei dessa vergonha. Lembro do olhar dele em mim e me pergunto como era o meu nele.
A gente continuou conversando, disso eu tenho certeza, e quando a minha mãe chegou, chamou a gente pra comer e fomos, comemos e continuamos conversando.
Falamos sobre nossa vida, se seríamos diferentes se tivéssemos crescido em ambientes diferentes dos que realmente crescemos e eu pensei alguns minutos, dei a resposta e fiquei triste com ela, pensativa, e ele ficou impressionado com a rapidez da minha resposta e logo depois se sentiu confortado ao ver que eu também tenho momentos de melancolia, dizendo que sempre que ele pensa em mim, ele lembra de mim sorrindo. Eu respondi dizendo que em compensação, normalmente eu sou muito feliz mas de um jeito incrivelmente irritante e ele refutou dizendo que não me achava irritante. Eu tive que agradecer.
Perguntou como eu queria que fosse minha velhice e eu disse que quero ser aquelas senhoras simpáticas e ele perguntou como seria quando meu marido morresse e eu comentei que eu ficaria tão triste que morreria, literalmente e que por mais que essa seja uma visão romântica do mundo, eu gosto dela.
Nisso tudo, meu pai falou pra eu me trocar pra gente poder sair e eu disse pra ele esperar que rapidinho eu ficava pronta. Me troquei, escovei os dentes (confesso: passei perfume também, eu queria que ele ficasse com uma boa impressão de mim quando a gente se despedisse), desci a escada como eu sempre faço: pulando o último degrau e fui pra sala onde ele estava sentado, ele olhou pra mim, sorriu e disse que eu continuo a mesma coisa e eu brinquei dizendo que achava que eu estava com o rosto mais velho.
A gente saiu e nós fomos andando mais afastados dos meus pais, ainda conversando: falando o quanto São Paulo é horrível com chuva e a maravilha que seria estar em Paris, andando e conversando embaixo de chuva numa cidade toda romântica (estava chuviscando); ele dizendo o quanto ele sente falta de conversar com gente inteligente, já que ele está tendo contato só com a família e o pessoal do cursinho pré-vestibular; contou que a tia dele está na Itália e que a vó dele conversa com ela por Skype todo dia e que toda mulher que vai pra Itália quer encontrar um italiano que se apaixone por ela e eu disse que isso não é o que eu queria e fiquei com vergonha de lembrar pra ele que a gente vai se casar e ir junto pra Itália e por fim, ele contou que a minha mãe ficou insistindo pra ele voltar sempre e que pelo jeito, mesmo que ele ou eu não gostássemos disso ele teria que voltar e depois de algumas brincadeiras sobre isso, ele disse que adora conversar comigo e eu fiquei realmente feliz com isso.
E, apesar da diferença das nossas crenças, ele me levou até a porta da igreja, se despediu dos meus pais, esperou eles entrarem e se despediu de mim.
E eu, continuo abrindo a gaveta do guarda-roupa o tempo todo pra ver se o CD ainda está lá, o CD que começou toda essa história e fico pensando que a Tulipa Ruiz não tem nem ideia do que provocou na gente, de tudo o que ela começou.



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