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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Lembranças


Eu lembro dele tocando violão pra  uma garota, ambos sentados nos bancos em frente ao meu. E eu torcendo pros dois ficarem juntos, porque eles formavam um casal lindo: ele todo preocupado em ser agradável, e ela, uma garota toda delicada e que merecia toda aquela atenção.
Lembro dele sentado com essa mesma garota no par de bancos atrás do meu, contando que tinha acabado de ler Percy Jackson e contando a ela toda a história da saga. Eu fiquei muito nervosa porque eu estava no meio do terceiro livro, mas fiquei com vergonha de pedir pra ele não contar o final.
Lembro de uma vez que o ônibus do colégio passou reto por mim e eu tive que pegar ônibus circular pra ir pro Juarez. Quando eu desci no ponto final, dei alguns passos e encontrei com ele no meio do caminho e fomos nós dois juntos pro colégio.
Lembro de quando eu substituí a professora de Produção de Textos e eu estava morrendo de medo da sala dele. Quando o sinal tocou e eu estava prestes a passar a matéria, a garota mais escandalosa do ano dele começou a falar super alto com ele e a me perguntar se alguém estava certo. Pedi pra ele me explicar a história toda e dei um jeito de contornar a situação.
Lembro de todos nós sentados no ônibus do colégio, quando ele chegou com um volume de piadas nerds e ficamos todos nós rindo de piadas que alunos de nenhum outro colégio entenderiam.
Lembro que nós vivíamos pedindo pra ele tocar Yellow, todo dia, toda hora e ele, todo solícito, tocava quantas vezes nós pedíssemos.
Lembro de uma vez, que ele pediu pra eu deixar ele tocar uma música e é claro que eu deixei. Uma canção linda, leve e daquelas que te decifram a alma. Quando ele terminou de cantar, nosso amigo virou pra mim e disse: “Ele não queria contar, mas foi ele quem fez essa música”. Fiquei feliz por fazer parte de algo tão secreto e íntimo.
Lembro que ele ficou mais próximo e sempre me cumprimentava quando me via no meio do colégio.
Lembro dele entrando correndo no ônibus, sentando na minha frente e começando a tocar e cantar Someone Like You, música que até hoje faz eu me lembrar dele.
Lembro que um dia ele sentou do meu lado e a gente ficou conversando sobre música e eu disse que adorava a música Close to You e ele começou a cantá-la. Lembro que ele pedia pra eu escolher uma música pra ele tocar e eu sempre escolhia Lucy in the Sky with Diamonds ou Something.
Lembro de uma vez que as meninas articularam um plano para que ninguém sentasse do meu lado, só ele.  Ele sentou, tirou o violão e começou a cantar Iris (que ele aliás, adora tocar) e parou de repente no meio da música pra dizer pra uma das nossas amigas: “Você pode falar mais baixo? Eu tô tocando uma música romântica aqui!”
Lembro que eu o convidei pra ir á minha formatura do Ensino Médio e que ele dançou uma valsa comigo sem eu pedir.
Lembro que na festa de Décadas ele falou que eu estava bonita e eu fiquei muito orgulhosa, porque estava muito simples com uma saia de prega e uma camiseta branca.
Lembro do dia que eu resolvi admitir que gostava dele e que ele precisava saber, até porque ele parecia sentir o mesmo por mim. E eu contei. E ele não demonstrou sentir o mesmo. Eu fiquei arrasada mas não dei brecha pra tristeza, segui minha vida.
Lembro que no primeiro dia de aula dele no terceiro ano do Ensino Médio eu fui visitar o colégio e no meio daquele mundo de gente ele me viu e fez questão de me dar um abraço. E algo dentro de mim dizia que ele pensava em mim tanto quanto eu pensava nele.
Lembro dele dizendo que eu parecia estar feliz em São Paulo e que isso era bom.
Lembro de quando nós fomos buscar nosso amigo no supermercado e que lá dentro, ele me puxou pra longe desse amigo e não queria que ele nos achasse de jeito nenhum. Lembro que depois fomos pro nosso picnic e que ele tocava todas músicas virado pra mim, lembro que ele gritou meu nome e quando eu olhei ele jogou um pedaço de chocolate.  Lembro que ele me convidou pro show do Erasmo Carlos e que enquanto tentávamos entrar no meio do pessoal, ele dizia que meu corpo era o mais moreno de lá (e eu ainda tento decifrar o que isso significa). Lembro que quando o show acabou e a gente foi falar com a banda Os Filhos da Judith, ele disse que eu era uma isca pra chamar a atenção deles. Lembro que depois que a gente tirou foto com eles, nós sentamos na guia da calçada e ele me chamou pra ir jantar na casa do tio dele, mas já estava tarde, eu  precisava voltar pra casa e ele me levou até lá, e ainda esperou meu pai me levar pra dentro, pra garantir que ele não brigaria comigo.
Lembro dele ter dito que nunca ia parar de me ver. (tá bom, ele disse que nunca ia parar de ver o nosso círculo de amizades).
Lembro de ter sonhado com ele e ter mandado um texto enorme e um pouco confuso pra ele perguntando se tudo estava bem. E lembro que ele respondeu dizendo pra eu espera-lo um pouco mais. E eu me tornei Ulisses.
Lembro que estávamos em um quase show e a Ana começou a dizer que ele sempre se volta pra música quando está melancólico por causa de garotas e que quando eu apareci (nas palavras dela: linda, de cabelão preto e ombro de fora) ele se voltou pra mim com a música e que ele só me “rejeitou” porque não soube como agir.
E eu, me perguntando se não é tarde demais pra tentar algo, se não é tarde demais pra um possível sentimento, fico tentando ocupar a cabeça com coisas necessárias, mas as que eu não preciso continuam aparecendo.  Coisas como o pensamento que ainda vai acontecer algo e que a Ana está certa: esse tempo foi fundamental para o autoconhecimento de cada um de nós.


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