Segredo Guardado

São José dos Campos, 15 de julho de 2011

Olá Chow!

Não sei se devo chamá-lo meu querido ou meu amigo, porque pra você tudo é diferente. Mas talvez minhas palavras hoje soem pra você como foram escritas para soar. E essa é minha esperança.

Porque não se apaixona agora? Porque somente no passado coberto pela luva? Você já deve ter percebido que 2046 é inatingível, inalcançável e de nada adianta você tentar explicar os fatos e provar as hipóteses através de lembranças. Porque as lagrimas não vão parar de rolar, e quanto mais rolarem, mais você irá lembrar. Aliás, não foi você mesmo que me disse que “todas as lembranças são vestígios de lágrimas”?

Chow, às vezes, nossos sentimentos nos assustam do mesmo modo como estão te assustando agora. Porém, por mais que estes sentimentos apareçam sem aviso prévio, eles são unicamente de culpa e responsabilidade sua.

Não sei se alguém pode ser culpado por seus próprios sentimentos, mas pode-se culpar alguém pela perda de alguns sentimentos. E você é um dos mais culpados: você é o único que teve ao menos duas chances de ter o amor nas mãos e perdeu as duas por não ter coragem de admitir que a Su era a pessoa certa.

Você é culpado por procurar enxergá-la em outras pessoas, no mundo real ou no mundo de 2046.

Você é culpado pelo simples fato de não deixar para de chover e mostrá-la o arco-íris como o japonês fez com a filha do patrão. Esta última, aliás, é quem mais te ensinou a viver e a se apaixonar. Porque foi através dela que você aprendeu que a árvore dos segredos pode não estar numa colina, mas no quarto ao lado. Foi com ela que você aprendeu que o amor não é apenas avassalador, mas também compreensivo e carinhoso.

E foi com você Chow, que este último detalhe eu aprendi. Foi com você que eu percebi que não é bom encontrar a pessoa certa nem muito antes nem muito depois e que é unicamente por isso que devemos correr atrás dessa pessoa certa e não deixá-la escapar (por mais que você ainda não tenha certeza).

E é realmente disso que você é culpado: você deixou a Su escapar duas vezes, Chow. Duas chances de aprender você teve, e você foi nobre o suficiente de conseguir ver que você aprendeu, porém tarde demais, mas não deixou que eu cometesse os mesmo erros que você.

Devo confessá-lo ainda, Chow, que talvez eu achasse você arrogante e friamente profissional. Mas o começo é sempre esquecido no final. Você foi minha árvore hoje. E não significa que irei me apaixonar por você. Se ainda quiser se retirar de 2046, fique a vontade, você vai saber onde encontrar uma árvore que não o fará se apaixonar.

Até logo, meu querido amigo (entenda como quiser, Chow),

Da garota que acredita que o mundo é feito de muitas coisas mais do que as que enxergamos.

Inspirado no filme “2046 – os segredos do amor”