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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

De dentro da Lóri

(...), decidiu que veria Ulisses pelo menos mais esta vez.
E não era porque ele esperava por ela, pois muitas vezes Lóri, contando já com a insultuosa paciência de Ulisses, faltava sem avisar-lhe nada: mas à ideia de que a paciência de Ulisses se esgotaria, a mão subiu-lhe à garganta tentando estancar uma angustia parecida com a que sentia quando se perguntava “quem sou eu? quem é Ulisses? quem são as pessoas?” Era como se Ulisses tivesse uma resposta para tudo isso e resolvesse não dá-la – e agora a angustia vinha porque de novo descobria que precisava de Ulisses, o que a desesperava – queria poder continuar a vê-lo, mas sem precisar violentamente dele. Se fosse uma pessoa inteiramente só, como era antes, saberia como se sentir e agir dentro de um sistema. Mas Ulisses, entrando cada vez mais plenamente em sua vida, ela, ao se sentir protegida por ele, passara a ter receio de perder proteção –
 – embora ela mesma não soubesse ao certo que ideia fazia  de “ser protegida”: teria, por acaso,  o desejo infantil de ter tudo mas sem a ansiedade de dever dar algo em troca? Proteção seria presença? Se fosse protegida por Ulisses ainda mais do que era, ambicionaria logo o máximo: ser tão protegida a ponto de não recear ser livre: pois de suas fugidas de liberdade teria sempre para onde voltar.
(Trecho de Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, de Clarice Lispector)

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